A década de 1950 marca o início de uma fase de perseguição aos quadrinhos. Foram publicados muitos artigos e livros acusando as HQs de serem maléficas as crianças e culpadas pelo crescimento da delinquência juvenil. Os quadrinhos estavam na mira da opinião pública.
Imagem original - Pinterest Alteração digital - Luiz Alberto |
Em meio a uma verdadeira “caça às bruxas”, ou melhor... “caça aos quadrinhos”, a publicação mais destrutiva foi sem dúvida alguma, o famoso livro “A Sedução dos Inocentes” do psiquiatra alemão Frederic Wertham. O livro coloca os quadrinhos como o grande responsável pelos males da sociedade, como por exemplo, moças que se tornaram prostitutas após terem lido HQs. Este fato absurdo é comentado no documentário COMIC Book Superheroes Unmasked (2003), do canal de TV americano, The History Channel.
Quer saber um pouco sobre as mentiras apresentadas em "A Sedução dos Inocentes"
Clique na imagem e acesse a matéria de Sérgio Codespoti, para o site Universo HQ
Capa do Livro A Sedução dos Inocentes e seu autor, Frederic Wertham |
A campanha antiquadrinhos chegou ao Brasil e por muitos anos foi cultivada a ideia de que os quadrinhos eram um subproduto da cultura. A situação muda apenas no início da década de 1960, quando alguns intelectuais franceses e italianos criaram novas definições sobre as HQs. Seus estudos sobre comunicação de massa constataram que os quadrinhos eram na verdade, um dos meios mais eficazes para transmissão de informações e formação de conceitos. Tal visão foi rapidamente absorvida pelos autores americanos, que após reavaliarem de forma crítica seus materiais anteriores, passaram a usar as HQs como verdadeiros mecanismos de comunicação de ideias.
Mesmo com a perseguição contra as HQs, 1950 ficou conhecida como a década dos quadrinhos pensantes e intelectuais. Diferente dos quadrinhos da década de 1930, onde imperavam cenários gloriosos e exuberantes, apresentados como verdadeiras obras de arte, nos quadrinhos da década de 1950 o peso maior estava nos balões de fala e pensamento. Neles, a mensagem se destacava sobre cenários produzidos de forma simplificada. Nesta linha de trabalho, surge o primeiro anti-herói dos quadrinhos, Feiffer, de Jules Feiffer. O autor apresenta em seu trabalho, um clima muito tenso, onde personagens transmitem insegurança e depressão.
A arte de Jules Feiffer questionando a verdade |
A reconstrução das HQs americanas ocorre com o surgimento de histórias como “Pogo”, de Walt Kelly, que anteriormente havia sido desenhista dos estúdios Disney. Suas histórias apresentam personagens animais com expressões humanas, e enfocam conteúdo pensante.
Arte de capa da HQ do Pogo, de Walt Kelly |
Ilustração do Pogo e sua turma - Walt Kelly |
Uma página da HQ do Pogo - Walt Kelly |
Outra HQ que marca esta fase, e que se tornou mundialmente conhecida, é a aparentemente inocente “Peanuts” de Charles Schultz, que no Brasil foi intitulada “A Turma do Charlie Brown” ou “Snoopy”, que era o nome do cãozinho do Charlie Brown. Através desta fantástica turminha, Schultz analisava psicologicamente a humanidade, enfatizando serias questões sobre a sociedade e o mundo.
A tradicional turma do Charlie Brown - Charles Schultz |
Ilustração com a turma do Charlie Brown - Charles Schultz |
A turminha na era digital - Snoopy e Charlie Brown - O Filme |
Criada um pouco mais tarde, mas mantendo o mesmo espírito pensante, surge Mafalda, criação do argentino Quino. Através da personagem, o autor consegue expressar sua preocupação social e transmitir ideias sob os olhares de uma América subdesenvolvida. Embora surjam comparações entre Mafalda e Charlie Brown, os personagens de Quino representam a composição do povo argentino. A visão de mundo representada pelos personagens é bastante distinta, visto que Charlie Brown pertence a uma sociedade rica, enquanto a Mafalda está em meio a um mundo subdesenvolvido.
Quino e sua personagem de maior sucesso, Mafalda Fotografia de Alejandro Pagni/AFP |
A preocupação de Quino com nosso planeta |
Nadando contra a maré pensante dos quadrinhos da década de 1950, nasce através de Hank Ketcham, o terrível "Dennis o Pimentinha”, que volta a apresentar histórias com uma criança endiabrada, tão comuns na década de 1920. O personagem é sucesso mundial, e suas travessuras saíram das páginas das Hqs para os desenhos animados e Filmes.
Capas de HQs antigas do Dennis |
Desenho animado do Dennis o Pimentinha |
Jay North interpretando Dennis - Série de televisão (1959) Fotografia: MemóriasCinematográficas.com.br |
Mason Gamble (Dennis) e Walter Matthau (Sr. Wilson) Capas do DVD do filme de 1993 |
Na França, é criado pela dupla René Goscinny (roteirista) e Albert Uderzo (cartunista), um gaulês baixinho, inteligente e alegre de nome Asterix. É o ressurgimento da Escola de Bruxelas, iniciada com Tintin, de Hergé. Em Asterix, o folclore é apresentado de forma muito particular e o seu sucesso ocorre por um fator muito simples: As histórias mostram estereótipos que todos os povos fazem de si mesmos e dos outros, como a fleuma dos britânicos, a fogosidade espanhola e a teimosia dos franceses. Asterix e seu inseparável companheiro Obelix foram traduzidos para vários idiomas e se tornaram ícones dos quadrinhos franceses, tamanha sua popularidade no país.
Imagens de Asterix e sua turma |
Albert Uderzo com seus personagens (fotografia: JovemPan.com.br) e Asterix e Olelix na animação Asterix e o Segredo da Poção Mágica (2019) |
Uma parcela do público jovem europeu foi capturada pela sátira franco-belga “Lucky Luke”, autoria de Morris e Gosciny. A história é uma paródia hollywodiana sobre o faroeste americano.
Cena do personagem de Morris e Gosciny |
Os ingleses lançam histórias que retratam aborrecimento e monotonia, com personagens como Bristow e Andy Capp, representado como uma pessoa preguiçosa, cínica, briguenta e que adora jogar futebol, bilhar e beber com amigos e amigas. Andy Capp, criado por Reggie Smythe, foi traduzido no Brasil como Zé do Boné, e publicado pelo Jornal da Tarde, em São Paulo. Curiosamente muitos leitores escreviam cartas para a redação do jornal achando que o personagem era brasileiro. Por sua vez, a figura patética de Bristow, criado por Frank Dickens, apresenta a monótona rotina de quem trabalha numa repartição pública ou em escritórios empoeirados. Bristow é uma caricatura da sociedade moderna.
Andy Capp, de Reggie Smythe (Reginald Smythe) |
Contudo, a grande mudança no setor ocorreu em 1952, com o surgimento da revista MAD, publicada inicialmente por Harvey Kurtzman. Esta publicação modificou completamente o estilo de humor, satirizando de forma escancarada tudo e todos. Não escapavam filmes famosos, HQs, programas de TV e também personalidades de todos os ramos da sociedade.
Capas da MAD de diferentes épocas |
Com a chegada dos anos 60, as mulheres dos quadrinhos puseram as “manguinhas de fora” e tornaram-se protagonistas de histórias. As novas personagens simbolizavam a mudança feminina dentro da sociedade, o crescente feminismo e a conquista da liberdade de expressão.
A principal personagem do gênero é Barbarella, criada em 1962 pelo francês Jean Claude Forest e publicada pela revista V-Magazine. A personagem ganha sua versão cinematográfica em 1968 com Jane Fonda no papel principal. Barbarela, ao contrário das submissas heroínas da década de 1930, como Dale Arden, Jane e Narda, que faziam parte respectivamente das histórias do Flash Gordon, Tarzan e Mandraque, tira proveito dos homens e comanda o palco. Com ela, os homens não tinham a mínima chance.
Pôster do filme Barbarella, estrelado por Jane Fonda (1968) e ilustração de capa de uma HQ. |
Este novo filão é preenchido rapidamente por um número expressivo de personagens similares a Barbarella. As heroínas dos anos 60 retrataram o desejo ardente pela conquista da emancipação feminina em todos os setores da vida.
A eficiência dos Syndicates em difundir e distribuir as HQs americanas, sempre foi um fator muito positivo, mas como tudo, teve também seu lado negativo. Para atingir o mercado mundial de forma rápida e certeira, sem preocupar-se com barreiras e represálias, formulou-se uma “censura” a temas, imagens e textos, fazendo com que o mercado estivesse sempre fechado para aqueles que tinham em mente algo diferente... Este era o caso de Crumb.
Robert Crumb fazia parte da juventude Underground, e liderou um grupo de estudantes californianos que visavam quebrar certas regras e tabus, lançando algo nunca visto anteriormente numa HQ. O movimento Underground, que se alastrava por todos meios artísticos e que pretendia revolucionar o sistema vigente, chega aos quadrinhos.
Crumb mudou os caminhos da HQ com histórias e personagens voltados para o público adulto. Fritz the Cat foi seu primeiro personagem e retrata um gato estudante, contestador, poeta, revolucionário e viciado, que vivia fugindo da polícia. Mais tarde cria Mr. Natural, homem baixinho, careca e de longa barba branca, que prega desobediência social. Os dois personagens de Crumb rodaram o mundo e foram publicados no Brasil em 1970, nas páginas da revista Grilo, influenciando muito os quadrinhos marginais brasileiros. Através de um estilo realista e caricatural, este tipo de publicação protestava tudo que era incômodo aos jovens.
Fritz the Cat e Mr. Natural - R. Crumb |
Na mesma época, na China, tornaram-se celebres os quadrinhos usados por Mao Tsé Tung como ferramenta ideológica, inserindo seu pensamento junto ao povo chinês. Nestas HQs, as paisagens surgem pintadas de forma tradicional e as figuras humanas bastante realistas, com exceção dos “traidores” da pátria, que eram apresentados de forma caricata.
Na terra do Tio San, cresce lado a lado com o movimento Underground, uma grande efervescência produtiva de super-heróis. A grande estrela do momento é Stan Lee, que se tornaria um dos maiores nomes da nona arte e da indústria do entretenimento. O grande diferencial entre os heróis criados por Stan Lee e os anteriores, está na personalidade e na problemática que envolve cada personagem. Stan Lee foi cocriador do Espetacular Homem Aranha, Incrível Hulk, Quarteto Fantástico, Homem de Ferro, O Poderoso Thor, entre tantos outros.
Homem Aranha - Criado por Stan Lee e Steve Ditko (1962) Homem de Ferro - Criado por Stan Lee, Larry Lieber, Don Heck e Jack Kirby (1963) |
Demolidor - Criado por Stan Lee, Bill Everett e Jack Kirby (1964) Quarteto Fantástico - Criado por Stan Lee e Jack Kirby (1961) |
Hulh - Criado por por Stan Lee e Jack Kirby (1962) Thor - Criado por Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby (1962) |
AMPLIE SEUS CONHECIMENTOS... PESQUISE
Dentro das metodologias ativas, é importante que os alunos saibam utilizar as TDICs (tecnologias Digitais de Informação e Comunicação), e aprendam a pesquisar. Portanto, pesquise na internet, de forma mais profunda, alguns temas citados neste post, assim como os escritores e desenhistas apresentados.
MATERIAL RELACIONADO - Pesquise no Blog
O Fantástico Universo das HQs (Parte 1) |
O Fantástico Universo das HQs (Parte 2) |
MARINGONI, Gilberto. Criatividade e Narrativa em História em Quadrinhos. São Paulo: SENAC, 1994. Trabalho não publicado.